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  • Foto do escritorTânia Ferreira

A QUARENTENA E O POSSÍVEL DA CLÍNICA PSICANALÍTICA: O REAL E O VIRTUAL

Atualizado: 8 de abr. de 2020

PRIMEIRA PARTE

Canta o nosso poeta que “todo artista tem de ir aonde o povo está”. O psicanalista também, diríamos. O psicanalista há de ir aonde está o povo e também, aonde está seu paciente.

Tomamos essa frase como metáfora, mas também em seu sentido literal. O povo e nossos pacientes estão em casa e no espaço virtual, no ciberespaço. É para lá que o analista vai hoje, se se interessar em seguir no passo de sua função: o exercício ético da clínica.


Muitos estudiosos têm se debruçado sobre a adesão do cidadão pós-mo derno ao computador, à relação das crianças, adolescentes e adultos com e no espaço virtual. Muitos contemplam em seus estudos a complexa relação entre a realidade virtual e a realidade psíquica.


O filósofo francês Pierre Lévy[1] já na introdução do seu livro cibercultura nos diz que “o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem” (p.6 ).


Dizia também, a vinte anos atrás, o que reiteramos hoje, em concordância com ele: “estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano”. (p. 9)

Para ele - isso nos interessa particularmente - o virtual é exatamente o que existe em potência, e, portanto, é passível de ser constantemente atualizado e, desse modo, é antagônico ao real, realizando-se na sua atualização.

Ali ele já estabelece as distinções precisas entre o ciberespaço e a cibercultura. Vamos nos ater um pouco a essas definições, já que é nesse mundo que temos de entrar, se quisermos estar hoje, com nossos pacientes.


  1. “O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. Esse termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo "cibercultura", especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (p. 16)

Lévy (1999) lembra que Roy Ascott - um dos pioneiros e principais teóricos da arte em rede – chama de "segundo dilúvio", o das informações: “As telecomunicações geram esse novo dilúvio por conta da natureza exponencial, explosiva e caótica de seu crescimento. A quantidade bruta de dados disponíveis se multiplica e se acelera”.

Ele segue dizendo que a densidade dos links entre as informações “aumenta vertiginosamente nos bancos de dados, nos hipertextos e nas redes”. E, o mais importante – “que contatos transversais entre os indivíduos proliferam de forma anárquica”. (p.9)

Ele sintetiza, por assim dizer, exatamente o que a população do planeta está vivendo com o COVID 19:


“O transbordamento caótico das informações, a inundação de dados, as águas tumultuosas e os turbilhões da comunicação, a cacofonia e o psitacismo ensurdecedor das mídias, a guerra das imagens, as propagandas e as contrapropagandas, a confusão dos espíritos”. (p. 9).


Sabemos que essa torrente de informações e imagens que nos chegam não são sem consequências subjetivas. Ela toma a forma do real que, através do mundo virtual, invade as casas e as vidas como um dilúvio traumático, nesse tempo de guerra contra a pandemia e faz sofrer, muito:


  1. "No fundo, o trauma é um dos nomes que se pode dar ao horror do mal-estar, toda vez que ele vem de fora, de surpresa, sem que se possa imputá-lo ao sujeito, que, horrorizado, sofre suas consequências. É por isso que o trauma é referido a um real que assalta o sujeito, um real que não pode ser antecipado ou evitado” (p 71).[2]

Colette Soler nos diz ainda que se trata de “um real que exclui o sujeito” e não mantém relação nem com o inconsciente, nem com o desejo próprio a cada um; “um real com que nos deparamos e em face do qual, como se diz, “não se aguenta”; um real, enfim, que deixa sequelas, como tantas marcas que cremos serem inesquecíveis” (p. 71).


É preciso lembrar também, que, pela mesma rede virtual que faz passar o real para as casas e as vidas, também passam formas de circundá-lo, de delimitá-lo, para que não fique insuportável – sem suporte. Muitas são as chamadas, convites e possibilidades de acesso à arte: cinema, teatro, música, literatura....


Freud já nos havia dito sobre os efeitos do acesso à cultura, como forma de tratar o mal-estar.


Contudo, ainda assim, a demanda de análise nos chega. O sofrimento de que cada sujeito padece nesse tempo e demanda escuta, coloca o analista no passo de sua função. De minha parte, não recuo frente ao desejo decidido de meus pacientes de prosseguirem com suas análises.


E então? Como fazer? Como usar das ferramentas disponíveis online para a situação analítica? Eis que na pandemia e quarentena, a clínica psicanalítica, via on-line, se faz construir.

É, pois, minha ainda incipiente – mas muito viva – experiência que vou tentar compartilhar, na SEGUNDA PARTE desse escrito: A CLÍNICA, O REAL E O VIRTUAL: APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA....

SEGUE.....

[1] Lévy,Pierre. Cibercultua. São Paulo: Ed. 34, 1999. (Coleção TRANS). Tradução de Carlos Irineu da Costa [2] SOLER, Colete. Discurso e Trauma. IN: ALBERTI, S. & RIBEIRO, M. A. Retorno do Exílio . O Corpo entre a Psicanálise e a Ciência. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004.

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